Regionalização do Saneamento e oportunidades são pautas de Workshop do Deinfra
Novo Marco Legal do Saneamento impõe desafios para a gestão regionalizada e propostas de superação
Denise Belmejo e Solange Sólon Borges, Agência Indusnet Fiesp
Para avaliar os empecilhos para a implantação do novo Marco Legal e construir propostas de superação, foi realizado nesta quarta-feira (9/11) workshop sobre o tema. O novo Marco Legal do Saneamento Básico de 2020 propõe a gestão regionalizada. No encontro foram discutidos os gargalos para a execução do Novo Marco e como eles podem ser suprimidos.
Luís Felipe Valerim Pinheiro, diretor titular adjunto do Departamento de Infraestrutura (Deinfra) da Fiesp, destacou que o Novo Marco é a primeira grande conquista de um processo a longo prazo e definir uma política pública clara para trabalhar com criatividade todos os entraves setoriais é essencial.
Para debater esse cenário, o secretário nacional de Saneamento, Pedro Maranhão, tratou da cobrança da sociedade para que se tenha água e esgoto tratados e como isso pode impulsionar a execução da regionalização a partir de 2023 com os novos governantes. “Ninguém quer retroagir nesses programas que salvam vidas e mitigam a questão ambiental”, disse.
Já Cassiano Quevedo Rosa de Ávila, subsecretário de infraestrutura do governo do Estado de São Paulo, discorreu sobre o movimento vivenciado para convencer os municípios a aderirem ao processo. Porém, enfatizou que a adesão é muita baixa. Alguns prefeitos alegam que os blocos ficaram muitos grandes e, além disso, a pandemia [de Covid-19] e a eleição foram obstáculos importantes que impediram a evolução da regionalização.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi representado por Luciene Machado, chefe do departamento responsável pela estruturação de projetos de saneamento, que informou que eles não têm a pretensão de ser o único financiador da regionalização nos Estados, pois são projetos longos e complexos. Machado reconhece a importância do conceito em questão, mas aborda a dificuldade para a execução em cada Estado. Entre os dados positivos, os projetos já alcançaram 35 milhões de brasileiros e os investimentos somam 100 bilhões no país.
Sobre a viabilidade econômico-financeira, ela alega que existem muitas heterogeneidades dos estudos, pouco tempo para execução e nem sempre os municípios vão se adequar aos arranjos pré-existentes. Mas destaca os casos bem-sucedidos como os do estado do Amapá, Alagoas, Rio de Janeiro e Ceará. Na maioria das vezes, a dificuldade não está na viabilidade econômico-financeira e, sim, no consentimento dos autores envolvidos e na capacidade de mobilização dos agentes adequados.
Para Gilberto Perre, secretário executivo na Frente Nacional de Prefeitos (FNP), o déficit do saneamento é uma situação enfrentada há séculos em nosso país e “o Novo Marco é um avanço, mas vale salientar que os governantes locais passaram por uma pandemia grave e ela exigiu atenção total dos prefeitos. Agora, essa agenda é retomada com a atenção merecida”, afirmou.
“Vale lembrar que a regionalização é um experimento. Você pode fazer um projeto inicial e reformular porque quem não tem experiência de regionalizar acaba tendo de corrigir [o projeto]. Nós temos que fazer o que é melhor, mas sempre com o espírito aberto para reformular e avançar no sentido de produzir resultados”, afirmou Wladimir Antônio Ribeiro, advogado especializado em resíduos e saneamento básico, no encerramento do primeiro painel do evento.
Questões técnicas e legais da regionalização
Na segunda etapa dos debates foram tratados de aspectos técnicos, regulatórios e de mercado na regionalização do saneamento básico. O primeiro expositor foi Vitor Saback, diretor na Agência Nacional das Águas e Saneamento (ANA) que destacou que a regionalização está a cargo dos estados e cabe à ANA apoiar e incentivar essa regionalização com estudos e a oferta de dados.
Saback detalhou as dimensões da segurança hídrica que vai da garantia de oferta de água para o abastecimento ao desenvolvimento de atividades produtivas, bem como controle de poluição e a compatibilização da qualidade de água para os seus diferentes usos. E, ainda, a redução de riscos associados a eventos críticos tais como secas e inundações.
“A água é dos estados e da União”, lembrou ao tratar do Plano Nacional de Segurança Hídrica voltado à população em risco, além de citar as perdas econômicas associadas a déficits hídricos.
Quanto à regularização e regulação dos recursos, sinalizou que é fundamental aumentar o número de usuários regularizados, além de integrar Governança e União, e enfrentar o desafio da outorga de água subterrânea. Aprender com as crises a fim de aumentar a resiliência é outra tarefa a ser desenvolvida. No cenário de mudanças do clima, afirmou que 70% dos municípios do Brasil tiveram redução na superfície de água nas últimas 3 décadas e este é um ponto de extrema atenção.
Para Paulo Massato, engenheiro civil atuante na mitigação da crise hídrica em São Paulo, tratou das implicações da regionalização nas unidades geográficas de gerenciamento, pois a Região Metropolitana (RMSP) e a bacia do PCJ (Piracicaba, Capivari e Jundiaí) têm características próprias e a situação crítica delas requer atenção e o gerenciamento dos recursos. Ele observou que, quando se avalia o cenário no Estado, caminhando para o Oeste, percebe-se o conflito do uso da água para a agricultura e para o abastecimento público, pois diversas cidades do interior cresceram muito e é preciso avaliar como se dará o abastecimento.
Case de Portugal
Jaime Melo Baptista, presidente da Lisbon International Centre for Water (LIS-Water) e pesquisador-coordenador do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) de Portugal apresentou como seu país regionalizou o saneamento com sucesso em seu planejamento.
A situação portuguesa no que diz respeito ao saneamento, antes de 1993, era inaceitável segundo o expositor, diante da expectativa da população e das ambições de desenvolvimento, pois não havia uma estratégia definida para sua resolução. Com a revolução democrática em Portugal, conforme ele explicou, iniciou-se a atual reforma do setor com a adoção de uma nova política pública e abordagem global e integrada, contemplando seus diversos componentes. Entre eles, além dos planos estratégicos setoriais, o enquadramento legislativo, institucional e de governança dos serviços mais as metas de acesso e objetivos da qualidade do serviço.
Outros pactos foram a definição da política tarifária, a disponibilização e gestão dos recursos financeiros, a melhoria da eficiência estrutural e operacional, que se somam à capacitação dos recursos humanos e ao desenvolvimento do tecido empresarial bem como a disponibilização de informação.
Um dos fatores de sucesso foi a estabilidade da política pública ao longo dos últimos 30 anos, apesar da natural rotação de partidos no governo, ensinou ele. Procurou-se evoluir para uma organização territorial otimizada para a gestão dos serviços com aproveitamento de economias de escala a nível regional, pois se entendeu que essa solução apresentava vantagens.
Baptista citou como uma das barreiras políticas o fato de a Constituição ser centrada na autonomia municipal e, portanto, foi necessário compatibilizar os interesses e as intervenções no nível do Estado central e dos municípios, Assim, evitaram-se bloqueios políticos e se acelerou o processo. Os sistemas foram separados em uma parte alta (atacado) com a titularidade do Estado central e uma parte baixa (varejo) com titularidade municipal.
A agregação dos sistemas da parte alta foi concluída no prazo de 10 a 15 anos e posteriormente aperfeiçoada. Onde existiam antes cerca de 300 sistemas passaram a existir apenas 5. Para isso, foram constituídas empresas públicas e estatais, com contrato de concessão com o Estado central e reguladas numa gestão empresarial. Essa metodologia permitiu a modernização da gestão e o aumento da resiliência dos serviços.
Após esse processo, iniciou-se a agregação dos sistemas no varejo, que dependia da tomada de decisão de cada município e foi gradualmente implementada. O presidente da LIS-Water lembrou que todos os modelos de gestão têm suas vantagens e desvantagens. Delegar responsabilidades, partilhar riscos e financiamentos são fatores centrais no processo de decisão. Em sua avaliação, ter um município líder, âncora, pode ajudar nesse processo.
Entre os principais desafios, o longo período de negociação e concretização, a falta de entendimento sobre a distribuição do capital social entre municípios e também a falta de entendimento entre municípios vizinhos, frequentemente controlados por forças políticas distintas. Outro ponto levantado foi a percepção pelo poder local do aumento de tarifas como politicamente ‘indefensável’, conforme exemplificou. Já em relação às melhorias alcançadas, o acesso ao abastecimento de água pelas famílias, especialmente potável, a coleta e tratamento de esgotos públicos de forma adequada, e a qualidade obtida em relação às águas superficiais e das praias costeiras e fluviais.
No encerramento, Percy Soares, gestor empresarial e diretor executivo da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON/SINDCON), em sua visão do ponto de vista dos operadores privados, é importante não apenas reforçar o papel da ANA como se atentar ao desafio da regionalização que soma o desafio econômico e a manutenção da viabilidade para o setor, fatores que “não devem sair do radar”. Para que o processo ocorra efetivamente deve-se pensar na produção em escala também, segundo concluiu o expositor.