Precisamos de mais negros em lugar de destaque, diz José Vicente
Em reunião na Fiesp, reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares disse que juventude precisa se espelhar em lideranças negras e falou dos avanços da legislação contra o racismo
Alex de Souza, Agência Indusnet Fiesp
Em 1950, o Brasil se considerava o país da democracia racial. Entretanto, essa narrativa foi desconstruída quando, em meados de julho daquele ano, a dançarina e coreógrafa americana Katherine Dunham teve sua hospedagem impedida em um hotel paulistano, ao lado do Teatro Municipal, onde a artista se apresentou. Indignada com o tratamento recebido, motivado pela cor de sua pele, Dunham denunciou o ocorrido a repórteres que cobriam o espetáculo.
“O episódio se tornou um escândalo e motivou a criação da Lei Afonso Arinos, que instituiu punição para crimes raciais”, explicou o reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, José Vicente, durante reunião do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política (Cosenp) da Fiesp, realizada na segunda-feira (16/5) e mediada pelo presidente do Conselho, Michel Temer.
Apenas nos anos 1950, mais de 60 anos após a abolição da escravatura, o Estado brasileiro passa a tratar a questão racial com a devida importância. Até então, argumentos racistas eram apoiados até mesmo por teorias eugenistas.
“Se a abolição, do ponto de vista legal, terminou com a escravidão, ela não conseguiu terminar com o racismo. Além de demorar a ocorrer, o texto veio sem nenhuma linha sobre como lidar com as questões sociais, sem qualquer previsão de reparação de danos. O homem era agora livre, mas não tinha terras, indenizações, garantias de direitos nem acesso à educação”, explicou José Vicente.
E os impactos do sistema escravocrata, que durou quase 400 anos, são sentidos até hoje. Conselheiro do Cosenp, Vicente lembrou casos recentes de racismo amplamente expostos na imprensa e destacou o fato de o Brasil ter sido o último país do ocidente a abolir a escravidão, que durou quase 400 anos, deixando um legado funesto nos costumes.
E se de 1950 em diante as questões raciais passaram a ser tratadas de modo mais aberto, a Constituição cidadã de 1988 trouxe um salto em relação aos direitos e as leis contra a discriminação racial. “Ela traz em letras garrafais que racismo é um crime inafiançável e imprescritível. Isso foi um avanço importantíssimo”, mencionou.
O conselheiro entende que o Estado precisava sair da neutralidade e tomar partido, sendo as leis de afirmação necessárias para equilibrar as relações. “As cotas cumprem esse papel. Não há dúvidas de que a lei de cotas precisa de ser aprimorada, mas também existe a confirmação de que ela deve ser mantida”, afirmou.
Ele defendeu ainda maior participação de negros em cargos de direção nas empresas, pois, segundo ele, apenas 4% deles são ocupados por afrodescendentes. “Precisamos de mais pessoas negras em lugar de destaque. Os espelhos são indispensáveis para a juventude. Aliás, somos o país que mais mata jovens, e 80% deles são negros”, disse o reitor, que vê como soluções a convergência dos setores e o investimento na educação.

José Vicente defende mais lideranças negras. Foto: Karim Kahn/Fiesp