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Artigo: Negócios com causas – sustentabilidade além da responsabilidade empresarial


Os artigos assinados não necessariamente expressam a visão das entidades da indústria (Fiesp/Ciesp/Sesi/Senai). As opiniões expressas no texto são de inteira responsabilidade do autor

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*Por Ricardo Voltolini

Nos últimos anos, de modo especial no ano passado durante os encontros da Plataforma Liderança com Valores, acompanhei diversas empresas que escolheram causas para alinharem a seus negócios e CEOs ativistas que defendem diferentes bandeiras e se posicionam como seus embaixadores.

Para entender esse novo jeito de pensar o negócio, é preciso resgatar um pouco da evolução da discussão sobre sustentabilidade dentro das empresas.

Até uma década atrás, depois de estabelecidas iniciativas como o DJSI na Bolsa de Valores de Nova York, as empresas passaram cada vez mais a se preocuparem com as questões socioambientais, mas ainda de forma um pouco “à parte” do negócio, focando em projetos pontuais de responsabilidade social. Defino essa etapa evolutiva do conceito de sustentabilidade empresarial como o seu terceiro estágio.

Mais recentemente, a partir do início dessa década, surgiram – e continuam surgindo – movimentos com o objetivo de promover a integração do tema com o negócio, de forma estratégica e não apenas em projetos pontuais. Uma dessas iniciativas é o conceito de Geração de Valor Compartilhado, cunhado em 2011 por Michael Porter e Mark Kramer, em que se busca inserir no centro dos negócios a ideia de que uma empresa deve gerar valor não só para ela mesma, mas também para a sociedade. Essa visão reconecta o sucesso corporativo ao progresso social.

Depois vem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, criados pelas Nações Unidas, as cartas de Larry Fink e o posicionamento de diversos CEOs e investidores a favor de negócios com propósito e valores. As empresas e seus líderes passaram, então, a incluir a sustentabilidade em sua estratégia e tomada de decisões, e também a definir uma causa para aliar ao negócio.

Mas, antes de escolher uma causa para chamar de sua, uma empresa precisa saber o que é fundamental na seleção de uma boa causa socioambiental. Para os encontros da Plataforma, desenvolvi um paper sobre como escolher, de modo estratégico, uma causa capaz de fortalecer uma marca. O meu estudo resume uma experiência de mais de 20 anos apoiando empresas na construção de institutos, fundações e políticas de investimento social privado.

Divido aqui, com os leitores, os sete pontos que me parecem fundamentais na seleção de uma boa causa socioambiental:

1 – Causa exige compromisso e ação de longo prazo. Não é para “ficantes”.

Uma causa não deve ser apenas mote para uma campanha pontual, sob o risco de ser percebida, com justiça, como uma jogada oportunista. Ela é, ao contrário, uma ação estratégica institucional. Precisa receber, portanto, a mesma atenção conferida aos projetos estratégicos de negócio. Em sua etapa de concepção, impõe à empresa um esforço conjugado de análise de vocação e de afinidades, que precisa responder, de modo ponderado, às seguintes questões centrais:

  • Esta causa faz sentido por se conectar com algum ponto relevante de nossa história?
  • Identifica-se com um ou mais dos nossos valores de atuação, fortalecendo-os?
  • Relaciona-se, de alguma forma, com a nossa missão de negócio, produtos e serviços, representando uma solução socioambiental que elimina, reduz ou compensa impactos gerados ao longo da cadeia de valor, nos nossos públicos de interesse?
  • Contribui, direta ou indiretamente, para a nossa missão, adicionando-lhe valor?
  • É percebida como algo oportuno e relevante pelo conjunto dos stakeholders a ponto de ser “adotada” por eles?
  • Tem potencial para mobilizar os colaboradores gerando orgulho e senso de pertencimento?
  • Oferece uma resposta concreta para um ou mais dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU?

Em sua etapa de planejamento, pressupõe um diagnóstico de necessidades dos públicos beneficiários, uma análise rigorosa de cenários, a definição de objetivos estratégicos, indicadores e ações capazes de proporcionar um ou mais dos cinco resultados esperados: (1) Impacto social, (2) Conexão com clientes, parceiros e comunidades, (3) Engajamento de colaboradores, (4) Alinhamento com investimento social privado e ODS; e (5) Fortalecimento de imagem e reputação e melhoria de ambiente de negócios.

2 – Cooperação sim, competição nunca

Ao escolher uma causa, tenha claro, de partida, que, antes de você pensar nela, muita gente deve estar, há muito tempo, atrás de respostas e soluções para ela. Esqueça a ideia furada de se “apropriar” de causas. E também a pretensão de imaginar que, sozinha, a empresa chegará a uma solução superior a que nunca chegaram tantos outros.

Estude-a profundamente. Aproxime-se dos atores mais notórios e estabeleça uma relação horizontal, franca e respeitosa—ter mais recursos financeiros não faz da empresa a parte melhor ou privilegiada na conversa. Selecione, entre os atores, aqueles que podem vir a ser parceiros na execução das ações. Não abra mão da experiência prática, da representatividade técnica e da inserção social em determinadas regiões de parceiros, especialmente os de terceiro setor.

3 – Governos são aliados naturais, nunca adversários

A mesma lógica de cooperação deve ser aplicada aos governos em suas três esferas. A percepção de que eles são ineficientes na gestão dos recursos não deve servir como justificativa para alijá-los de parcerias. Governos são as instâncias que elaboram e executam políticas públicas.

Não é inteligente excluir os governos para uma empresa que adota causas ligadas a políticas públicas como educação, saúde, lazer, esporte e terceira idade. Por melhores que sejam os projetos empresariais, eles correm o risco de ficar restritos a uma pequena parcela do público potencial beneficiário — exatamente aquela que tem acesso mais próximo às atividades.

Governos ajudam a conferir escala. E escala é fundamental para ampliar o impacto das soluções sociais e ambientais.

4 – Nenhuma causa, por melhor que seja, resiste a incoerências

Imagine-se nos seguintes dois casos. No caso 1, você é o colaborador de uma empresa que adota a causa do apoio ao esporte, mas não mantém, para o seu público interno, nenhum programa de valorização de práticas esportivas. No caso 2, você integra a comunidade vizinha de uma empresa que escolheu o respeito à biodiversidade como causa, mas insiste em lançar resíduos líquidos no rio local. Aposto que sua reação, nos dois casos, seria desconfiar da boa intenção das empresas. Com toda razão. Duvido que, convidado a participar, você se engajaria em qualquer uma das causas.

Arrisco um terceiro exemplo: você, leitor, na condição de cliente, atenderia ao chamado de uma empresa para doar recursos para uma causa se soubesse que essa empresa não doou sequer um centavo? Certamente, não. Uma empresa não pode fazer ou deixar de fazer algo que contradiga a sua causa. Tem que praticar o que os americanos chamam de walk the talk, isto é, fazer o que fala.

5 – Botando os pingos nos “is” sobre resultados

Concordemos em um ponto: os cinco resultados mencionados no primeiro item são relevantes. Especialmente, quando equilibrados. Proporcionam uma necessária e bem vinda relação de ganha-ganha-ganha. Para a empresa, os beneficiários diretos da causa e a sociedade.

Mas não seria exagero afirmar que todos dependem do sucesso do primeiro. Na prática, só se consegue conectar clientes, parceiros e comunidades, engajar colaboradores, ampliar o alcance do investimento social privado e obter ganhos de imagem, reputação e melhoria de ambiente de negócio, se a causa, de fato, melhorar a qualidade de vida de pessoas e contribuir para solucionar os desafios a que se propõe.

Reflexão nova sobre um assunto velho: uma empresa não deve investir mais recursos na campanha de comunicação da causa (a não ser que a causa seja uma campanha, uma ação para mudança da consciência de pessoas acerca de um tema) do que no desenvolvimento das respostas concretas relativas à própria causa, sob pena de parecer mais preocupada com os eventuais benefícios de imagem decorrentes dela do que com a efetiva solução a que se propõe.

6 – Ninguém paga mais pelo produto de uma empresa com causa. Faça mesmo assim.

Você já deve ter participado ou conhece alguém que participou de pesquisas que perguntam se “você pagaria a mais por um produto se soubesse que” a empresa fabricante adotou alguma socioambiental. Os números indicam enorme percentual de respostas “sim” à questão. O que poderia significar um desejável alto grau de engajamento dos consumidores, esconde, na verdade, um fenômeno conhecido como o das “respostas politicamente corretas.”

Pesquisas feitas sem a conjunção subordinativa, depois de o indivíduo já ter comprado um produto, costumam mostrar resultados mais modestos de adesão. Embora nada indique, no entanto, disposição do consumidor de pagar mais pelo produto de uma empresa com causa, há estudos que mostram, em caso de preço igual, uma predisposição a preferir os produtos de empresas vistas como mais engajadas, responsáveis e cidadãs. Essa é uma tendência global. O consumidor parece cada vez mais disposto a estabelecer relações com marcas que tenham crenças e valores semelhantes aos seus.

7 – Quem escolhe uma causa sabe a convicção que tem

Nesses estranhos tempos de hiperconectividade, e profunda radicalização de opiniões nas redes sociais, a adoção de uma causa, por mais justa que seja, não significa simpatia e adesão unânimes. Muito pelo contrário, pode gerar inclusive ondas de ódio, patrulhamento e rejeição. Foi o que aconteceu mais recentemente com as empresas de cosméticos e varejo de moda que decidiram apostar, em suas campanhas, na promoção do tema diversidade. Milhares de haters resolveram destilar ódio nas redes, ameaçando não comprar mais seus produtos.

Se a causa representa uma verdade para a empresa, correspondendo aos seus valores, não há outro caminho senão confrontar os haters, propor-lhes uma reflexão e fortalecer publicamente o seu compromisso com a causa. Reduzir a frequência da comunicação, ou pior, abrir mão dela para minimizar conflitos de opinião, ainda que acalorados, não só não vai transformar detratores em apoiadores como ainda levará a maioria de consumidores favoráveis á causa a desconfiar da firmeza das intenções da empresa.

*Ricardo Voltolini é um dos primeiros consultores em sustentabilidade empresarial do Brasil, com mais de 25 anos de mercado. É diretor-presidente da Ideia Sustentável: Estratégia e Inteligência em Sustentabilidade, tendo realizado mais de 1000 palestras, workshops e cursos dentro e fora do Brasil.