Artigo: O desenvolvimento da primeira infância como alicerce do desenvolvimento sustentável
Os artigos assinados não necessariamente expressam a visão das entidades da indústria (Fiesp/Ciesp/Sesi/Senai). As opiniões expressas no texto são de inteira responsabilidade do autor
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*Por Florence Bauer, representante do UNICEF no Brasil
A primeira infância, a etapa que começa no pré-natal e se prolonga até o sexto ano de vida, é um período crucial para o crescimento e o desenvolvimento do ser humano.
É exatamente nesses primeiros anos que o cérebro humano se desenvolve em um ritmo sem precedentes se comparado a qualquer outro momento da vida: nos primeiros 1.000 dias de vida, quase 1.000 células cerebrais se conectam por segundo. São essas conexões as responsáveis pela saúde mental e física, assim como pelos resultados da aprendizagem, pela aquisição de competências sociais e pela capacidade do ser humano de se adaptar e de ser produtivo. Por esse motivo, meninas e meninos precisam crescer em um ambiente estável, que os permita ter boa saúde e boa nutrição, que os proteja e os ofereça a possibilidade de aprender na idade certa; o que depende em grande medida do cuidado e da interação afetiva com os pais, as mães, os familiares e demais cuidadores.
Perder essa janela de oportunidade no desenvolvimento das crianças pode ter implicações sérias por toda a vida e para o desenvolvimento sustentável dos países[1], o que torna a tarefa de investir na primeira infância uma prioridade absoluta para todos. O setor privado precisa responder a esse chamado para a ação e assumi-lo perante os seus funcionários e colaboradores, clientes, fornecedores, investidores, entre outras esferas de sua influência.
As crianças são stakeholders fundamentais para as corporações – seja como consumidores, familiares de funcionários, jovens trabalhadores, ou como futuros funcionários e lideranças empresariais. Ao mesmo tempo, as crianças são membros importantes das comunidades e locais onde as empresas operam. Por conta disso, 10 Princípios Empresariais e os Direitos da Criança (CRBPs) foram desenvolvidos mundialmente pelo UNICEF e seus parceiros, em 2012, para orientar as empresas em suas estratégias de responsabilidade social. Até essa data, o reconhecimento da responsabilidade das empresas para com as crianças estava limitado à prevenção ou eliminação do trabalho infantil. Com os CRBPs, outras maneiras pelas quais os negócios afetam as crianças ficaram mais evidentes. Isso inclui o impacto de todas as suas operações comerciais – tais como seus produtos e serviços, seus métodos de marketing e suas práticas de distribuição – e de suas relações com os governos no âmbito local e nacional, além dos investimentos nas comunidades locais. E quanto mais jovens elas são, mais vulneráveis estão aos efeitos que os negócios têm sobre elas. Tais efeitos podem ser duradouros e até mesmo irreversíveis.
É urgente ao setor privado, portanto, investir na primeira infância, nos diferentes campos em que atua: a) no ambiente de trabalho, assegurando espaços adequados para as trabalhadoras amamentarem suas crianças; proporcionando horários flexíveis para que a amamentação não seja interrompida; provendo centros de desenvolvimento infantil adequados e de qualidade para filhas e filhos pequenos de seus funcionários, próximos ao local de trabalho ou de suas residências, ajudando a criar entornos seguros e com profissionais bem capacitados; estabelecendo horários flexíveis para que pais e mães com crianças pequenas na empresa e na cadeia de valor participem plenamente do desenvolvimento de seus filhos[2], assim como em momentos difíceis como quando estão doentes ou requerem consulta médica; assegurando licenças maternidade e paternidade remuneradas[3], indo além do que as legislações de seus países preveem em razão da necessidade de se propiciar um vínculo mais antecipado das famílias com suas crianças; b) no mercado, conscientizando consumidores e clientes sobre a importância da primeira infância por meio de seus canais de comunicação corporativos, contribuindo para os esforços públicos em prol da amamentação nos primeiros dois anos de vida, da alimentação saudável a partir do estímulo ao consumo de alimentos naturais e livres de açúcar, sódio e gordura e de práticas responsáveis de marketing não direcionado à criança; e c) nas comunidades onde os negócios operam e geram impacto, contribuindo de forma complementar com os esforços de geração de evidências e informações que permitam dar às famílias o acesso às políticas e aos serviços básicos, desenvolvendo localmente programas de capacitação e conscientização sobre a primeira infância e eliminando todas as formas de violência contra meninas e meninos.
A Agenda 2030 reflete um reconhecimento crescente em torno da importância do desenvolvimento da primeira infância; ele integra especificamente a meta 4.2 do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4, mas está presente de forma transversal nos demais Objetivos. Conseguir que os ODS sejam uma realidade requer um grande esforço e o engajamento de todos os setores da sociedade. O setor privado, por sua vez, tem um papel específico de apoiar o cumprimento desses Objetivos. A melhor forma de fazê-lo, portanto, é comprometendo-se com o desenvolvimento da primeira infância.
*Florence Bauer é representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) no Brasil. Anteriormente, trabalhou junto à organização no País de 1999 até 2006. É mestre em Administração de Empresas, com especialização em Assuntos Internacionais na “Ecole des Hautes Etudes Commerciales du Nord” (EDHEC Business School), em Lille, na França, e tem pós-graduação em Estudos Políticos na Universidade de Londres.